São bastante comuns os “loteamentos fechados”, costumeiramente essa designação popular para quaisquer loteamentos que findaram cercados por muros ou cercas e instituíram associações ou singelas coordenadorias objetivando a prestação de alguns serviços básicos aos proprietários de terrenos ou casas, tais como os relativos à segurança, à coleta de lixo, à manutenção e à jardinagem. Esses serviços beneficiam todos os proprietários, indistintamente, sempre direcionados à melhoria das condições de uso e gozo da propriedade imobiliária individual, às vezes abrangendo, também, a manutenção ou até o desenvolvimento de centros de convivência em áreas do próprio loteamento (é o caso dos salões de festas ou de reuniões, das instalações voltadas a atividades esportivas ou culturais). Sempre valorizam, diga-se, o empreendimento. Essas associações passam a administrar o loteamento, por meio da contratação de serviços prestados por empregados ou terceiros, inclusive empresas de administração. As despesas são rateadas e é nesse momento que costumam surgir surpreendentes problemas: alguns proprietários, apesar de beneficiados pelos serviços (e às vezes, embora tenham se filiado à associação administradora ou mesmo participado provadamente de reuniões de gestão) passam a alegar que as verbas decorrentes do rateio são indevidas. E eregem um argumento que entendem jurídico: inexistente o condomínio civil ou especial (este regulado pela Lei 4.591/64), não haveria que se cogitar a cobrança de valores rateados (nesse momento os insurgentes costumam passar a denominar esses rateios de “despesas de condomínio”). Quem tem razão? De um lado, foram realizadas despesas, essas despesas beneficiaram a totalidade dos proprietários; de outro lado, nessas hipóteses não existe mesmo o condomínio especial previsto na lei 4.591/64, o que parece retirar o direito, nela previsto, de cobrança das despesas de manutenção. Nem tampouco se cuida do condomínio (pois não há uma pluralidade de proprietários de um mesmo imóvel) previsto no Código Civil. Não haverá de ser na referida Lei 4.591/64 que se haverá de procurar a base legal e exata para a cobrança, pela simples circunstância de que esse diploma regula o condomínio por unidades autônomas sob sua égide instituído, situação bastante diversa – legal e conceitualmente – do loteamento no qual porventura se tenha organizado associação de proprietários. É inequívoco, existe uma comunhão de interesses dos proprietários na utilização das vias e espaços livres do empreendimento, abrangendo não só áreas de utilização comum como suprindo interesses naturalmente indivisíveis tais como segurança, limpeza, jardinagem, além de pagamento dos empregados do empreendimento. Cada proprietário tira proveito dos serviços oferecidos. Ora, exceto na inimaginável hipótese de serem tais benefícios oferecidos gratuitamente por alguém, cada beneficiário deverá concorrer, na proporção de sua parte, para as despesas verificadas em benefício de todos, sob pena de ser caracterizado o enriquecimento sem causa de alguns em detrimento de outros. Essa questão já foi levada aos Tribunais, quando se julgou: “Loteamento fechado – Hipótese em que há comunhão de interesses – Empreendimento que gera despesas com manutenção, conservação e segurança do loteamento – Rateio das despesas comuns por todos os proprietários de lotes – Cobrança procedente – Recurso improvido.” (Apelação Sumaríssima n.º 006116625-2/006 – Salto – 1.ª Câmara Especial do 1.º TAC/SP – Rel. Juiz Elliot Akel). É moralmente inadmissível que algum proprietário usufrua dos benefícios oferecidos, às custas dos demais. Nosso direito, não bastasse o senso moral, veda o locupletamento indevido que decorreria dessa situação. Prestados os serviços, legitimada está a Associação para a cobrança do “rateio”, não prestando a eventual alegação de que algum proprietário não deva pagar por não ser associado. Lembre-se, mesmo inexistente a afiliação, encontram-se todos obrigados a contribuir com sua quota-parte nos gastos rateáveis entre a totalidade dos proprietários e beneficiários, pois à disposição de cada um são postos todos os serviços oferecidos pela associação. A jurisprudência também já teve oportunidade de apreciar questão em que a alegação básica do inadimplente era não ser ele associado. E assim se julgou: “Loteamento – Administração exercida por associação sem fins lucrativos – Proprietário que se nega ao pagamento de sua quota-parte por não ser afiliado a esta – Inadmissibilidade – Prestação devida ante o efetivo aproveitamento dos serviços prestados.” No acórdão, relatado pelo Desembargador Francisco de Assis Vasconcellos Pereira da Silva, foi decidido: “Em se tratando de loteamento administrado por associação sem fins lucrativos, que se equipara a condomínio, embora a filiação dos proprietários não possa ser impositiva, encontram-se os mesmos legal e moralmente obrigados a contribuir com suas quotas-partes nos gastos rateáveis entre a totalidade dos adquirentes dos terrenos, uma vez, que os imóveis dos mesmos são beneficiados pela infra-estrutura a cargo da referida associação.” (TJSP – Ap. 269.63.-2/5 – 2.ª Câmara). Não se tratou de decisão isolada, como se vê no acórdão também oriundo do Tribunal de Justiça de São Paulo (Ap. 256.210.2/9 – 14.ª C.), proferido o voto condutor pelo Desembargador Ruiter Oliva: “Loteamento Fechado – Administração entregue a associação criada para esse fim – Responsabilidade de todos os proprietários de contribuir para a cobertura da totalidade dos gastos relativos à segurança, manutenção, captação, adução de reservatório e distribuição de água.” Dessa última decisão, aliás, é possível extrair a questão da informalidade da atribuição da administração do loteamento, que não exclui o dever de contribuir no rateio de despesas. Nas palavras contidas no acórdão: “Se toda a administração do loteamento, formal ou informalmente, está cometida a associação criada para esse fim pelos moradores e proprietários do loteamento, inerente a essa atividade de administração está a execução de todos os serviços de interesse dos moradores e proprietários do loteamento, desde os relativos à segurança que envolve a contratação de pessoal e o pagamento da folha de salários e respectivos encargos sociais, até aqueles relacionados com a manutenção das áreas consideradas comuns do loteamento (vias e praças) e com captação, adução, reservatório e distribuição de água. Resulta evidente a responsabilidade de todos os proprietários de contribuir para a cobertura da totalidade desses gastos.” Essas decisões judiciais foram claras e unânimes ao repelirem o inadimplemento imotivado ou, aos que assim prefiram, o inadimplemento calcado na alegação de inexistência de condomínio, ou ainda, na não filiação do proprietário à associação gestora. Singelamente, é rigoroso concluir, quem usufrui deve pagar. Mas por vezes, a dúvida não é espancada por ponderações, nem mostram-se os devedores sensíveis aos argumentos calçados em assertivas morais ou tirados do senso comum. Nessas hipóteses, é necessária a distribuição de ações judiciais almejando a cobrança e talvez não seja demais alinhar alguns cuidados que poderão simplificar o trâmite da causa, tendo-se em mente sua natureza e o dever do credor demonstrar seu direito, como ocorre em qualquer demanda. Será interessante levar à apreciação judicial, elementos que comprovem a existência da associação de proprietários, seus estatutos e atas de suas assembléias, a par das pertinentes convocações; a aprovação das contratações de serviços por assembléias ou por quem detenha poderes para tal e a decisão acerca dos respectivos rateios; o pagamento das despesas rateadas pela grande maioria dos proprietários (a mostrar a especialíssima situação em que estará o inadimplente procurando se colocar); a efetividade dos serviços prestados e a documentação pertinente aos seus custos; os demonstrativos econômico-financeiros; as cartas de cobrança encaminhadas aos proprietários inadimplentes; a memória de cálculo do débito e acréscimos legais (atualização monetária e juros, quando cabíveis). Espera-se que o bom senso prevaleça, sempre; espera-se a contribuição de todos para o bem comum; espera-se que não existam comportamentos refratários às regras de convivência comunitária. Mas, quando frustrarem-se essas expectativas, será prudente ao proprietário arredio às contribuições de manutenção, observar que a jurisprudência não acata sua pretensão, ao contrário: prestigia a organização informal voltada ao bem comum. * Jaques Bushatsky é advogado e diretor do Secovi-SP (Sindicato da Habitação)