Setores imobiliário e bancário são atingidos pela indefinição, nas vésperas da eleição de representantes para o Congresso americano.
WASHINGTON - Às vésperas da eleição que definirá a nova composição do Congresso americano, o caos se instalou nos setores imobiliário e bancário dos Estados Unidos. Por negligência, ações de despejo movidas às pressas e sem o rigor exigido pela lei acabaram suspensas pela Justiça, para o alívio de milhões de inadimplentes.

Responsáveis pelos erros, os três principais bancos credores do país tiveram de congelar os processos e acumular prejuízos não esperados. O atraso na conta que os devedores terão de inevitavelmente pagar, avisam especialistas, acentua a incerteza no mercado e tarda a recuperação econômica do país.

A raiz do problema está em números que não fecham nos setores que provocaram a crise de 2008. No primeiro trimestre deste ano, cerca de 5 milhões de tomadores de empréstimos imobiliários estavam inadimplentes por mais de 90 dias. Desse total, 2,5 milhões tinham sido despejados e a propriedade dos imóveis havia sido repassada aos bancos. Outros 7,5 milhões de imóveis registravam valores de mercado menores que as hipotecas – um indicador de que seus proprietários poderiam parar de pagar aos bancos em qualquer momento.

Ao longo do ano, o ritmo de aumento dos estoques de casas assumidas pelos bancos foi menor que a capacidade de essas instituições cobrarem os inadimplentes. Além disso, o mercado estava desaquecido demais para que os bancos viessem a revender, em seguida, os imóveis tomados de inadimplentes.

A cada mês, desde março do ano passado, 300 mil proprietários de imóveis nos EUA receberam a notícia de que seriam despejados e perderiam suas casas para os bancos credores, de acordo com a consultoria RealtyTrac. A maioria deles em situação de desemprego ou de trabalho precário. Em setembro deste ano, 347,4 mil pessoas passaram por essa situação – 2,53% mais do que em agosto. Desse total, apenas 31,1 mil foram vendidas, a um preço médio de US$ 173,3 mil.

"O processo de despejo é doloroso para toda a sociedade. Mas terá de continuar. Senão, teremos uma nova década perdida", afirmou Christopher Leinberger, especialista em mercado imobiliário do Brookings Institution.

Robô

A negligência dos bancos nos processos de despejo provocou uma avalanche de processos na Flórida, em Ohio, na Califórnia e em outros Estados americanos nos quais é obrigatório antes passar pela decisão de um juiz. No caso de uma hipoteca milionária de uma propriedade próxima a Santa Barbara, na Califórnia, faltou no processo o documento que obrigaria o credor a pagar o empréstimo.

O erro mais frequente, entretanto, envolveu o "robo-signer", funcionário de instituições de crédito e de escritórios de advocacia que apenas assinam, sem conferir, os processos de despejo a serem encaminhados aos tribunais os processos de despejo. Na Flórida, uma gerente da firma de advocacia Stern, Cheryl Samons, costumava assinar cerca de mil ações por dia, segundo o jornal The New York Times. O escritório prestava serviço aos principais bancos credores.

As denúncias levantaram dúvidas sobre a legitimidade das ações de despejo e a veracidade das informações apresentadas pelos bancos aos tribunais. No último dia 13, o JPMorgan Chase, o Bank of America e o GMAC Mortgage anunciaram o congelamento dos processos. Mas, no início desta semana, divulgaram a versão de que retomariam em breve os despejos.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estado, em apenas um mês será possível aos bancos limpar seus balanços. Porém, esse atraso vai aumentar ainda mais a brecha entre os estoques de hipotecas não honradas e os processos de despejo. Ou seja, vão elevar os prejuízos.

Há cerca de dez dias, Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia e professor da Universidade de Harvard, alertou para o risco de a "bagunça no crédito imobiliário provocar outra crise financeira" nos EUA. De fato, o mercado reagiu com nervosismo quando os principais bancos anunciaram o congelamento das ações de despejo, no dia 13. O preço das ações do Bank of America caiu 5,4%, e do JP Morgan, 2,7%. Na mesma data, vazou ao mercado um relatório do Bank of America sobre seu prejuízo de US$ 70 bilhões somente no setor de seguro hipotecário.

Riscos

O FMI, entretanto, avalia que não há grandes riscos de uma nova crise sistêmica no setor financeiro americano neste momento, como a verificada em setembro de 2008, com a quebra das instituições do setor de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddy Mac. Segundo Marcello Estevão, da Divisão de Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), a injeção de recursos do Tesouro no setor gerou condições para as instituições financeiras enfrentarem novos riscos. Somente os nove maiores bancos do país receberam US$ 125 bilhões desde 2008. "O temor de falência dos grandes bancos já está de lado", afirmou Estevão.

A dúvida está na capacidade de as instituições americanas atenderem a um aumento de demanda por crédito imobiliário em médio e longo prazos, segundo Estevão. No curto prazo, os bancos se mostram capitalizados, mas profundamente avessos ao risco.

As empresas que emitem seguros de títulos de propriedade (uma espécie de cartório) igualmente estão reticentes. O Fannie Mae e o Freddy Mac, cuja falência drenou US$ 143 bilhões dos cofres públicos em 2008, agora necessitariam de mais US$ 363 bilhões de ajuda do governo para se recuperarem da queda nos preços dos imóveis, segundo a Agência Federal de Financiamento Habitacional.

Um sinal de suave recuperação foi anunciado na terça-feira pelo Departamento de Comércio. A construção de moradias cresceu 0,3% em setembro, na comparação com agosto. Mas o indicador de longo prazo ainda está deprimido. A emissão de autorização para novas construções caiu 5,6%. Na estimativa do FMI, os EUA terão de esperar ao redor de cinco anos para as vendas imobiliárias crescerem como no período anterior à crise.