Nicola Tornatore

Seis meses após sua instalação em Ribeirão Preto, o acampamento do MST (Movimento dos Sem-terra) aguarda a prometida indicação pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) de uma área para a montagem de um acampamento definitivo ao mesmo tempo em que assiste a uma debandada de famílias que estão desistindo do sonho de ganhar um lote de terra.
Quando técnicos do Incra estiveram em Ribeirão Preto para o cadastro das famílias então instaladas no sítio Braghetto, em fins de agosto do ano passado, a contagem indicou a presença de 427 famílias. Seis meses depois, são menos de 300 as famílias acampadas. “As dificuldades do dia-a-dia fizeram com que muitas famílias deixassem o acampamento”, explica Sirlei Moreira, 34 anos, militante do MST e membro da coordenação do acampamento “Mário Lago”, agora localizado numa área da Prefeitura no Parque dos Flamboyants, na zona leste da cidade.
Quando da invasão do sítio Braghetto, em 2 de agosto de 2003, cerca de 20% das famílias que participaram da montagem das primeiras barracas tinha origem em cidades da região, onde o MST realizou reuniões preparatórias, arregimentando pessoas dispostas a participar da luta pela terra. O acampamento foi montado no sítio Braghetto, ao lado da fazenda da Barra, que com seus 1.600 hectares é o verdadeiro alvo do MST. Nos primeiros dias as informações do próprio movimento davam conta que o processo de desapropriação da fazenda estava bastante adiantado e que o decreto de desapropriação para fins de reforma agrária seria publicado pelo governo federal em poucos dias.
A perspectiva de conseguir, em pouco tempo, um lote de terra atraiu o acampamento mais famílias, principalmente as compostas por trabalhadores rurais que perderam o emprego no campo e se transformaram em favelados urbanos, sobrevivendo de bicos. Em fins de agosto o MST decidiu “fechar” o acampamento – ou seja, a partir daquela data não foram mais aceitas novas famílias.
As informações de que o processo de desapropriação da fazenda Barra estava adiantado, porém, não procediam. O MST não tinha conhecimento de uma liminar que os proprietários (Robeca Participações e I.C.I. Participações) da fazenda haviam obtido no TRF (Tribunal Regional Federal), suspendendo o processo de desapropriação.
Pressão
Ao constatar que a desapropriação da fazenda da Barra não seria alcançada em curto prazo, o MST começou a se mobilizar para conseguir um novo local para o acampamento, uma vez que já havia sido assinado, na Justiça, um acordo para que as famílias deixassem o sítio Braghetto até 10 de dezembro. Numa ação ousada e destinada a pressionar o Poder Público, os sem-terra invadiram em 20 de novembro o parque “Maurílio Biagi”, onde fica o prédio da Câmara Municipal.
Ao redor do novo acampamento foram penduradas faixas com críticas ao ex-prefeito e ministro da Fazenda Antonio Palocci. Uma semana depois a Prefeitura Municipal autorizou o acampamento a se instalar numa área localizado no Parque dos Flamboyants, em meio a criticas de moradores do bairro, temerosos de que o acampamento se transforme numa favela e nunca mais deixe o terreno, reservado originalmente para a implantação de uma praça pública.
“Quando os técnicos do Incra estiveram aqui em Ribeirão Preto eles pediram um prazo de seis meses para nos indicar uma área alternativa, onde possamos montar um acampamento definitivo enquanto esperamos pela desapropriação da fazenda da Barra. Esse prazo de seis meses termina agora, no final do mês”, informa Sirlei Moreira. Até agora a superintendência estadual do Incra em São Paulo não se manifestou oficialmente. O coordenador do acampamento “Mário Lago”, Edivar Lavratti, membro da direção estadual do MST, está em Brasília e não foi encontrado pela reportagem.

Ocupação tem segurança 24 horas e restrições ao álcool
Montado atualmente num terreno da Prefeitura no Parque dos Flamboyants, o acampamento do MST em Ribeirão Preto foi batizado de “Mário Lago” em homenagem ao falecido ator, compositor e militante da esquerda. As normas de funcionamento interno são das mais rígidas, e em alguns momentos chegam a lembrar regras militares.
A segurança é 24 horas, em esquema de revezamento, e foi montada até uma guarita, para proteger os “vigias” em dias de chuva. Apesar do receio dos moradores do bairro, que temem a desvalorização de seus imóveis caso o acampamento demore para deixar o local, até a presidente da associação de moradores, Maria Ferreira de Souza, reconhece que a segurança nas imediações do acampamento melhorou muito. “Depois das dez da noite as pessoas tinham medo de andar pelas ruas. Agora até minha filha chega de ônibus à meia-noite despreocupada, já que eles têm um esquema de segurança 24 horas”, comenta Maria Souza.
Internamente o acampamento é dividido em núcleos de 20 famílias cada. Cada núcleo tem o seu encarregado e regras gerais a serem seguidas. O consumo de bebidas alcoólicas é controlado e uma espécie de “toque de recolher” informal vigora às 23h – a partir desse horário ninguém pode, por exemplo, ouvir música em alto volume.
Os barracos, que inicialmente eram quase todos feitos de plástico preto, vem sendo melhorados, na medida em que o tempo passa e as famílias constatam que a espera será maior do que a imaginada. Hoje os barracos cobertos por plástico preto já são minoria – a maior parte é de placas de madeira compensada e mesmo chapas de zinco. Alguns barracos já têm portas e janelas e até piso cimentado. Foram construídas fossas sépticas e quase todas as famílias plantam alguma coisa, aproveitando a estação das chuvas. Hortas, milho e até feijão-de-vara podem ser encontrados por todo o acampamento. Também são muitas as criações da galinha.
Sirlei Moreira, da coordenação do acampamento, informa ainda que o MST exige que de todas os candidatos a um lote de terra que apresentem atestado de antecedentes criminais. “Quem deve algo para a Justiça não tem como ficar em nosso meio”, resume Moreira.