Em regiões com muitos edifícios, é comum observar o apartamento vizinho; prática pode gerar indenização.

Não é raro encontrar gente que já teve a sensação de estar sendo observada. Ainda mais se reside em local com grande concentração de edifícios. Quando as janelas de prédios vizinhos ficam praticamente coladas umas às outras, é possível ver, em certos casos, tudo o que acontece na sala ou no quarto de outros moradores. O que fazer, então, para evitar constrangimentos?

O aposentado José Santana e sua esposa, a dona-de-casa Inês, acreditam que o princípio básico é o respeito. "Para morar em condomínio, na minha opinião, as pessoas deveriam fazer um curso. É preciso saber que momentos mais íntimos, por exemplo, exigem que a janela esteja fechada", opina ele. A esposa concorda. "Sempre que vou me trocar, fecho a janela. Se o vizinho faz uma festinha, tomo o mesmo cuidado, porque não é legal ficar olhando no apartamento dos outros. A privacidade é um direito do ser humano".

Mas nem todos pensam da mesma forma. O zelador José, que prefere não ter a verdadeira identidade revelada, afirma que reclamações referentes a problemas ocorridos através da janela aberta são comuns. Ele conta que já foi zelador em seis prédios residenciais de Ribeirão e testemunhou casos em que rapazes observavam a rotina de mulheres vizinhas com o uso de binóculos.

No edifício em que trabalha atualmente, moradores de seis dos dezoito apartamentos existentes providenciaram a colocação de vidros escuros nas janelas para que não sejam observados. "Uma pessoa observando outra é uma situação mais comum do que a gente imagina, ainda mais numa sociedade em que há uma preocupação maior com a vida alheia que com a própria", acredita.

Segundo o síndico do Edifício Lira, na rua Bernardino de Campos, Ricardo Nascimento Calçado, os moradores de condomínios devem ficar atentos à janela. "É importante se lembrar que tem gente ao lado e tomar as precauções necessárias". Calçado diz que evitar problemas no prédio - que faz fronteira com outros dois - é uma de suas constantes preocupações. "Prova disso é que um tempo atrás até distribuí um comunicado pedindo que cada um cuidasse de sua privacidade".

O síndico se recorda de uma situação, ocorrida há pouco mais de um ano, em que um estudante "fez uma brincadeira de mau-gosto" com uma adolescente e deixou o pai dela revoltado. "O caso já foi resolvido. Na época, eles conversaram e o rapaz se desculpou. Acho que essa deve ser a postura dos envolvidos todas as vezes em que problemas semelhantes ocorrem: conversar e entrar num acordo para não voltem a acontecer". Com estas medidas, garante, o Edifício Lira tem um dia-a-dia tranqüilo. "Esta foi a única vez em que houve uma discussão por causa disso".

Providenciar a instalação de persianas ou uma simples cortina pode ajudar a evitar os "vigias de plantão", principalmente se no apartamento residem somente mulheres, geralmente alvo das observações. A enfermeira Natália Cadioli Wetterich, que mora com três universitárias, diz que, freqüentemente, percebe que vizinhos estão olhando para dentro do apartamento delas. "Outro dia, tinha um moço vendo a gente jantar. Debruçou na janela e ficou observando. Simplesmente, fechei a cortina".

A mesma preocupação tem Jane Helena Cola, estudante de administração. "Eu fico atenta. Principalmente sabendo que existem pessoas que tiram fotos dos outros para fazer foto-montagem", diz ela.

Constituição garante privacidade

Intimidar um morador vizinho com observações constantes da rotina dele, usar câmeras ou binóculos e dirigir palavras e atos obscenos a outra residência podem ser motivo para o pagamento de indenizações por dano moral ou material.

A Constituição Brasileira, no seu artigo 5º, inciso 10, prevê proteção às vítimas: "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

De acordo com o advogado Daniel Rondi, especialista em direito cível, a observação de apartamentos vizinhos é "realmente um problema dos grandes centros e a pessoa que considera ter tido sua privacidade violada pode denunciar".

Ele cita um caso ocorrido recentemente no Jardim Presidente Médici, em Ribeirão Preto, que resultou em ganho de causa para a vítima.

Segundo Rondi, uma de suas clientes conseguiu provar que era observada por uma rapaz. "Ele usava um binóculo e dizia palavras obscenas. A moça foi ficando irritada e pediu, insistentemente, para que ele parasse com tais atitudes, mas não foi atendida. Decidiu, então, filmar tudo o que estava acontecendo. Conseguiu comprovar que estava sendo atingida e foi indenizada", conta.

O advogado diz, no entanto, que, em muitos casos, é difícil comprovar a invasão de privacidade.

IGOR SAVENHAGO