EDSON VALENTE
A queda-de-braço entre quem financiou um imóvel e não conseguiu terminar de pagá-lo e seus credores começa a esboçar uma trégua. Se os embates na Justiça eram freqüentes quando a inflação levava parcelas às alturas nas décadas de 80 e 90, nos últimos dois anos a inadimplência caiu.

O divisor de águas foi a lei 10.931, de 2004. Ela estabeleceu novas regras para dar segurança aos bancos quanto à inadimplência, um grande obstáculo para ampliar a concessão de crédito.

A principal é a do incontroverso. Essa regra determina que o principal da parcela --a parte que não corresponde a juros ou correção-- precisa ser pago pelo mutuário mesmo quando ele entra com ação na Justiça para discutir valores do financiamento.

Um indicativo de que a relação entre compradores e bancos melhorou é a queda da inadimplência dos contratos. De acordo com a Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), ela passou de um patamar de 30% nos contratos anteriores a 1998 para cerca de 8% nos acordos mais recentes, sobretudo os dos últimos dois anos.

"Os contratos novos são mais equilibrados", observa Carlos Eduardo Duarte Fleury, 47, superintendente-geral da associação. "O fator de correção, a TR [Taxa Referencial], é baixo, e as prestações têm um reajuste suportável. Com a inflação sob controle, já não há mais distorção na correção do saldo devedor e das prestações", explica.

Assim, o atual panorama econômico, somado à regra do incontroverso, inibe quem perde a capacidade de pagamento a entrar com uma ação para "travar" a cobrança e não perder o imóvel.

"Como a ação judicial demora sete ou oito anos, o mutuário, em vez de pagar, entrava na Justiça para brigar", relata Edwin Britto, 56, secretário da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil).

Dessa maneira, "para os bancos, o risco de financiar era muito maior", crava Cristiana Moreira, 28, da Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados.

Polêmica

Apesar da determinação da lei, o incontroverso ainda gera controvérsia em alguns tribunais. "Há casos em que o juiz entende que a pessoa não deve pagar nada, como em contratos assinados antes da edição da lei", ilustra Fleury. "Mas são raros."

A advogada especializada em direito imobiliário Mirelle Ottoni, 35, observa que "o mutuário pode até declarar na Justiça que paga o principal da dívida do financiamento, mesmo que não o faça, contando com a demora para a checagem dessa informação".

Mas, se o banco registra o nome do inadimplente em órgãos de proteção ao crédito, o pagamento do incontroverso é fundamental para descadastrá-lo, alerta Marcelo Roitman, 30, da Pompeu, Kignel, Longo e Cipullo Advogados.