Na incorporadora Helbor, de Mogi das Cruzes, fundador ainda rubrica contrato. Aos 76 anos, Henrique Borenstein não costuma dispensar uma boa conversa. Orgulha-se de contar as histórias de como seu pai, um imigrante russo, chegou sozinho ao Brasil em 1917 para se instalar na casa de conhecidos em Jacareí (SP) e, por um cochilo no trem, acabou na cidade de Mogi das Cruzes. Ali se casou, teve filhos, fez fortuna, virou nome de bairro e de rua. Mas na última quarta-feira à noite o que menos Borenstein queria era contar causos. Gentilmente, mandou a reportagem do Estado embora porque precisava trabalhar.
No canto da sala de 17 metros quadrados, com uma mesa de madeira, três cadeiras de couro vermelhas, e sem computador, estavam três pilhas de contratos de clientes para serem assinados - eram 700 no total. Caneta Bic numa mão e uma dedeira de borracha na outra, para virar as páginas sem escorregar, o presidente da Helbor, incorporadora que no ano passado faturou R$ 1,2 bilhão, varou a madrugada rubricando contratos.
Não, ele não precisava fazer isso. Mas não aguenta ver aquela papelada parada no escritório. Com esse jeitão mão na massa, Borenstein fez da empresa sediada na cidade da região metropolitana de São Paulo uma das mais admiradas do mercado imobiliário - e financeiro. Ela não tem o porte de uma PDG, a maior do setor, com receita líquida de R$ 6,8 bilhões em 2011. Nem uma marca forte como a da Cyrela, do empresário Elie Horn. Tampouco está presente em 111 cidades do País como a mineira MRV. Mas também não está sofrendo como essas empresas estão.
No ano passado, o mercado imobiliário brasileiro viveu um dos piores anos de sua história. Depois de um período de crescimento acelerado, impulsionado pelas aberturas de capital que encheram o caixa das empresas de dinheiro, o setor começou a enfrentar uma epidemia de obras atrasadas; as margens de lucro despencaram e os investidores, claro, não pouparam os papéis do setor, que tiveram uma desvalorização de quase 40%. "É tudo reflexo de uma expansão descontrolada que afetou gravemente a gestão dessas empresas", diz o professor João da Rocha Lima, pesquisador do núcleo de Real Estate da Universidade de São Paulo (USP).
Os primeiros meses de 2012 não foram menos complicados. A Gafisa reconheceu um prejuízo de quase R$ 1 bilhão no ano passado - resultado de vendas canceladas, obras que custaram mais que o orçamento e de uma integração mal feita com a construtora Tenda, comprada em 2008. A temporada de balanços do primeiro trimestre, que terminou na semana passada, foi a prova de que a ressaca continua (ler acima). Exceto para algumas poucas empresas como a Helbor que, ao lado das paulistanas Eztec e JHSF, têm mantido as melhores margens do setor.
Com uma rentabilidade recorde (há mais de um ano na faixa dos 25%) e a menor despesa administrativa do mercado imobiliário, a Helbor foi a empresa do setor que mais deu retorno aos acionistas desde a onda de ofertas iniciais de ações (IPO, em inglês) que levou 12 incorporadoras e construtoras para a bolsa em 2007. Foi a última a abrir capital e fez o pior IPO daquele ano, com uma captação de R$ 251 milhões. Hoje, no entanto, com um valor de mercado de R$ 1,6 bilhão, vale mais que a Gafisa, embora tenha metade do tamanho da concorrente.
Como ela consegue? No mercado, dizem que é coisa de banqueiro. Henrique Borenstein foi sócio do Banco de Crédito Nacional, o BCN, por 31 anos, até a instituição ser comprada pelo Bradesco em 1997. Formado em Economia, na Universidade Mackenzie, ele começou administrando os imóveis e a concessionária de veículos do pai, em Mogi das Cruzes - na época, uma das maiores da GM no País. Quando Hélio Borenstein morreu em 1964, Henrique passou a negociar diretamente com os bancos. De tanto levar clientes para financiar a compra de caminhões e tratores ao BCN, ganhou uma sala no banco de Pedro Conde e acabou se tornando sócio dele.
Cabeça de banqueiro
O mercado imobiliário sempre foi um investimento secundário. A própria Helbor foi criada em 1977 para desenvolver imóveis que pudessem ser alugados, como fonte de renda para a família, e não comercializados. Ela só se tornou o principal negócio para os Borenstein quando o BCN foi vendido. Em vez de embolsar uma bolada, o banqueiro preferiu trocar sua participação de 15% no banco da família Conde por ações do Bradesco e continuar trabalhando. Hoje, Borenstein é um dos maiores acionistas individuais do banco fundado por Amador Aguiar.
A experiência como banqueiro ditou as regras quando assumiu a Helbor para torná-la uma incorporadora de verdade. "Não entendo nada de construção", diz. "Entendo de ganhar dinheiro."
Isso explica por que a Helbor é a única "incorporadora pura" entre as empresas de capital aberto. Ao contrário das concorrentes, que além de incorporar, constroem seus empreendimentos, a empresa de Borenstein terceiriza todas as suas obras.
As grandes, como Cyrela e PDG, tentaram trabalhar com construtoras parceiras para poder alcançar outras cidades do País, mas a experiência se mostrou desastrosa. Sem fôlego para tocar as obras, os empreiteiros regionais atrasaram a entrega das chaves e tiveram de gastar mais do que haviam previsto. A Helbor tem 18 parceiros, em 31 cidades, e registrou recentemente apenas um caso mal sucedido, que lhe custou um prejuízo de R$ 10 milhões no ano passado. "Nesse mercado, tudo tem conserto, menos uma parceria mal feita", diz Borenstein.
Por isso, na Helbor, o negócio com as construtoras é muito bem costurado. Todos os contratos são feitos por preço fechado. Assim, quem assume o risco de um eventual aumento de custo é o próprio empreiteiro. Ele também se torna sócio do empreendimento, com a previsão de ganhar um bônus de 10% a 20% sobre o lucro. E o detalhe que faz a diferença: 12 das 18 construtoras que trabalham exclusivamente para a Helbor são de empresários que foram clientes de Borenstein no BCN.
Como os parceiros são escolhidos a dedo, a expansão da Helbor não tinha como ser agressiva. E não foi. Basta olhar para a sede da empresa em Mogi. É a mesma desde a década de 70: o prédio que ocupa um quarteirão no centro da cidade foi a casa onde Borenstein viveu com a mulher por mais de dez anos. O que hoje é a sala de reuniões já foi o quarto do casal.
Em casa
O clima familiar vai além das instalações. O diretor financeiro e de relações com investidores, Roberval Toffoli, é casado com uma das filhas de Henrique Borenstein. O filho mais novo, Henry, de 36 anos, responde pela vice presidência executiva. Apesar da idade e do cargo que ocupa, é conhecido em toda a empresa por "boy", apelido de infância. É ele quem negocia terrenos, cuida do dia a dia da operação e atende os investidores. "O ‘boy’ já faz tudo mas a chave do cofre continua comigo", diz o patriarca.
Ele não está usando uma figura da linguagem. Borenstein de fato assina todos os cheques e controla rigorosamente os custos. Até o número de grampos usados para fechar um envelope é supervisionado pelo dono. "É um grampo no meio e quem usar mais que isso é repreendido", lembra um ex-executivo. Não é à toa que a empresa mantém uma das despesas administrativas mais baixas do setor - no ano passado foi de 3,9% da receita líquida, enquanto a média das outras empresas foi de 8,1%.
Até pouco tempo, todo esse controle familiar era abominado pelo mercado financeiro. Mas depois que as grandes construtoras (especialmente as que não têm dono, como Gafisa e PDG) começaram a dar problemas, analistas e investidores mudaram de ideia. "Aprendemos duas coisas com o setor nos últimos anos: ele não é escalável e a presença dos donos pode, sim, ser positiva", diz Guilherme Rocha, analista de mercado imobiliário do Credit Suisse.
A situação complica quando a operação atinge um tamanho que os olhos da família já não conseguem alcançar. Esse não parece ser o caso da Helbor - ao menos por enquanto. Com 63 canteiros de obra em andamento, 250 funcionários e 19,3 mil clientes, o pai e o ‘boy’ ainda conseguem tempo para assinar contratos e cheques, sem perder de vista o grampeador.