Tramita no Senado o Projeto de Lei nº 29/2003, que objetiva alterar o artigo 37 da Lei 8.245/91, proibindo a fiança em locações. A proposta estaria baseada na dificuldade em encontrar fiador idôneo.
São pertinentes, entretanto, algumas ponderações, no intento de atingir-se uma boa lei, que realmente atenda a demanda da sociedade e regule suas atividades coerentemente.
Os especialistas elogiam a Lei de Locações, até porque ela resumiu tendências jurisprudenciais cautelosamente construídas, a ponto de, nesses 11 anos de vigência, quase não ter sido modificada, o que confere boa e essencial segurança jurídica ao mercado.
É inegável: a Lei atual defende bem, mais que locador ou locatário, as locações. Permitiu a redução de ações judiciais, hoje praticamente restritas às decorrentes de inadimplemento - situações econômicas, jamais locatícias; comerciantes locatários encontraram boa proteção na Lei; e existe segurança em investir na construção de imóveis para locação.
A escolha da garantia locatícia, dentre as três modalidades previstas (caução, fiança e seguro de fiança) preocupa o mercado, assim compreendido o conjunto formado por milhões de locadores, locatários, administradores e operadores do direito.
Fira-se realmente o tema: fosse possível a rápida desocupação do imóvel (permitindo nova locação) e a rápida cobrança, a necessidade de garantia estaria minimizada, pois só há sua invocação quando ocorre falta de pagamento, acarretando ação de despejo e cobrança.
Analisando-se as modalidades atuais, vê-se que a caução efetivamente praticada é aquela em dinheiro, limitada ao valor de três prestações. Sabido que a ação de despejo por falta de pagamento tramita durante cerca de 12 meses e anotado que cerca de 37% delas, dentre as atualmente em curso na capital paulista, apontam como garantia a caução, verifica-se o prejuízo do locador, equivalente a nove meses de aluguel. Outra modalidade, o seguro, tem tido utilização crescente, ante as vantagens para os contratantes. Porém, dois óbices sérios a restringem a somente 8% das locações celebradas em S. Paulo: o prêmio ainda é caro e a análise cadastral é rigorosa (como há, mesmo, de ser), afastando um sem número de pretendentes.
A fiança, modalidade que seria eliminada se aprovado o Projeto comentado, é a preferida: na capital paulista, 57% das locações residenciais são afiançadas, aproximando-se o percentual da totalidade em alguns locais. Para o locador, desde que bem estudadas as características do fiador, o terrível problema a enfrentar será a demora da cobrança. Em São Paulo, que, relativamente ao Brasil, conta com uma Justiça rápida e onde, graças à dinâmica do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, os recursos são julgados com agilidade, correm pelo menos dois anos entre a distribuição do despejo e o recebimento de valores. A ação judicial que culmina na alienação do imóvel do devedor é cansativamente morosa e seu resultado econômico refrata qualquer cálculo atuarial. Ninguém opta por esse caminho, exceto em última circunstância.
Desse brevíssimo resumo, saltam algumas evidências:
a) garantias locatícias só existem porque as ações judiciais conseqüentes ao inadimplemento são caras e morosas. Fosse rápido o trâmite, certamente o mercado dispensaria essas garantias;
b) verdadeira revolução nas locações decorreria de leis que viabilizassem a antecipação da tutela em ações de despejo por falta de pagamento, atrelada tal antecipação, à responsabilização do locador que litigasse com má-fé (aliás, os próprios fiadores encontrariam benefício no encurtamento do trâmite das ações, pois diminuiriam seus ônus);
c) a caução é afastada pelo prejuízo evidente em caso de ação judicial, a par de poucos poderem depositar o equivalente a três aluguéis;
d) o seguro de fiança locatícia é adequado para diversas situações, mas não se presta a todas as locações;
e) a fiança, concedida com maior facilidade (ao contrário do seguro) e gratuitamente (ao contrário da caução), é tradicional e largamente utilizada no País;
f)todos encontrariam sensíveis benefícios na ampliação das modalidades de garantia, não na sua diminuição.
Em suma, interessará não apenas ampliar as modalidades de garantia como essencialmente, permitir a celeridade do Judiciário, esta a verdadeira solução.
* Jaques Bushatsky é advogado, diretor de Legislação do Inquilinato do Secovi-SP e diretor da Mesa de Debates de Direito Imobiliário (MDDI), organização não-governamental