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Arquitetura do ser.

O século XIX foi o da colonização, o XX foi do desenvolvimento tecnológico e o século XXI, que se inicia, precisa ser o da sustentabilidade. Nessa linha de raciocínio, uma vertente da arquitetura questiona a solução dada ao equacionamento do espaço que não tenha como premissa a utilização racional de materiais, o suprimento das necessidades básicas do ser humano, como satisfação e bem-estar e a interatividade com meio ambiente.
Para discutir esses parâmetros, a Sala Cultural Design Brasil elaborou um ciclo de palestras sob o rótulo “Arquitetura do Ser”. O objetivo é levar as pessoas a analisarem e estudarem a arquitetura do ser humano, esclarecendo e cultivando os conceitos vitais do ser humano, pessoal e social. Segundo a organizadora do evento, a arquiteta Inês Aquino, “todos nós participamos dessa diluição de referências e valores, dentro da qual tendemos a ficar paralisados. Mas parar significa ser arrastados e não é isso o que queremos. Queremos exercer a liberdade e a faculdade humana de construir, com humildade e paixão, nossa casa, nossa convivência”, analisa.
As palestras, conduzidas pelo professor de filosofia Nestor Müller, abordam essa questão a partir de quatro preocupações básicas: ética, liberdade, poder e paixão. “Ética, por exemplo, é uma palavra de raíz grega, ‘ethos’, que significa ‘casa’”, explica. Para ele o debate surgiu da constatação de como se vive mal, se mora mal.
Ele mostra como. “A sala da casa ou do apartamento é construída para o aparelho de tv, anulando a convivência familiar e social. Os apartamentos são cada vez menores dificultando aos moradores a sensação do bem-estar”, exemplifica. “Outro dia fui ver um condomínio de alto padrão em construção na zona sul da cidade e vi duas coisas completamente erradas. A primeira é que as casas são conjugadas, ou seja, a privacidade dos moradores fica muito restrita. Outro problema foi que a construção das casas não permite o desfrute do sol matinal, que é o melhor sol, o mais saudável. Um paredão nas casas foi construído do lado do sol nascente, o que é um erro”, explica.
Sustentabilidade
O morar bem e o morar mal, hoje, na concepção dos que atuam nessa vertente, não depende exclusivamente da condição social das pessoas. Passa pelo conceito de aproveitamento de tudo o que for “passivo”, na visão da arquiteta de interiores Zelena Rivabem.
Para ela, deve-se aproveitar ao máximo a luz solar, os ventos, e se adequar ao que a natureza oferece, criando uma sinergia com meio ambiente que permita o melhor usufruto aliado à conservação.
“A sustentabilidade não deve se encerrar na questão ambiental, mas deve ser atemporal, com uso de material em obras e objetos em decoração que respondam às necessidades de aproveitamento mas também de satisfação. Não é porque um objeto é antigo e está ‘fora de moda’ que a pessoa deve se desfazer dele se há uma relação de prazer e bem-estar com ele. Outra ótica da sustentabilidade é nos problemas sociais, como emprego e renda”, afirma. Reflexo dessa discrepância são os condomínios fechados. “São guetos construídos em nome, principalmente, de uma segurança, mas que elimina as transparências. Muros altos impedem o acesso de pessoas, até mesmo o acesso visual. Lá existem casas lindíssimas que ninguém pode admirar porque ficam escondidas. Na convivência social, traz seqüelas porque sei de casos de crianças que crescem fechadas nesses condomínios e enfrentam sérios problemas de sociabilização”, afirma.


Imaginação


“A arquitetura é o exercício da imaginação e sobre ela é preciso pensar na convivência das pessoas pacificamente”, explica. Para ela, uma premissa para criar um projeto é refletir como as pessoas utilizariam os espaços. Especializada em projetar áreas térreas de edifícios, Zelena combate ferozmente o desperdício, seja de espaço, de ambiente, de material e, principalmente, de oportunidade. “Aprender a técnica da arquitetura é fácil, o difícil é renovar-se. O projeto bom é aquele que dá mais oportunidade ao conforto, à qualidade de vida. As pessoas sentem-se bem no lugar e muitas vezes nem sabem traduzir essa sensação”, afirma. Quando fala em Arquitetura do Ser, ela, o professor Müller e Inês Aquino, traduzem, na verdade, a necessidade de organização do espaço de forma orgânica. Nada muito longe da Arquitetura Antroposófica, conceito elaborado pelo arquiteto croata Rudolf Steiner no início do século passado.
Ao defender a arquitetura sustentável, Zelena propõe aproveitamento de material reciclável, entre outras coisas. “Começam a surgir bolsões de carência de fontes de recursos naturais em diversas partes do mundo além da falta de espaço nas grandes cidades, como em São Paulo, por exemplo”, diz.
Ao se discutir a arquitetura sob a ótica da filosofia, o que se pretende é rever conceitos. “Não adianta fazer casas populares com telhas de amianto. O calor é insuportável, gerando desconforto para todo mundo. Não se pode fazer um projeto de uma sala e colocar uma lâmpada próxima à janela sem que tenha um interruptor independente das demais lâmpadas. É preciso usufrir da luz natural e economizar a luz elétrica”, ensina. “São atitudes simples, óbvias, que estão aí para serem adotadas e que melhoram a vida das pessoas mas que quase ninguém enxerga”, conclui Inês. Informações sobre o ciclo de palestras: 16 – 3911-9394.


 


Publicação Jornal A Cidade 01/05/05

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