Os dormentes de madeira da antiga estrada de ferro de São José do Rio Preto formam a escada, os pilares, as esquadrias e os batentes da casa do engenheiro de produção mecânica Fausto de Paula Eduardo.
“Eles estavam sendo vendidos para fazendeiros para produção de cercas. Comprei na época muito barato”, relembra Jack, como gosta de ser chamado.
O cedrinho e a castanheira usados no piso foram tábuas recolhidas de obras de amigos e da própria construção, que seriam descartadas.
“Porque queimar ou transformar em cerca quando podem ser utilizados na arquitetura, preservando perenemente o material?”, questiona.
Todas as peças conservam as marcas naturais do tempo. No pilar da sala, as fendas esculpiram desenhos na madeira.
“Um trabalho lindo que as mãos não conseguiriam realizar”, diz.
Há seis anos, quando começou a construir a casa em um condomínio de Ribeirão Preto, Jack queria unir sustentabilidade, baixo custo e resgatar um pouco da sua história. A madeira reaproveitada confere um clima bucólico ao imóvel.
“Passei a infância numa fazenda, sempre convivi com a natureza”, conta.
Esse conceito de sustentabilidade no uso da madeira, tão forte na vida do engenheiro, é uma tendência na arquitetura. Para Jack, uma questão de respeito à natureza e sobrevivência humana.
“Já pensou se tivesse que usar toda essa madeira de uma única espécie ainda viva... Que direito temos de destruir uma mata de ipê para construirmos nossa casa?”, indaga.
Formas naturais
O uso da madeira está em alta na decoração. Mas à sua nobreza foi incorporado o conceito de sustentabilidade. De reflorestamento, de demolição, extraída de áreas de manejo sustentável e na forma desprezada pela própria natureza, a madeira ‘ecologicamente correta’ ganha espaço na arquitetura, valorizando os ambientes, seja na própria estrutura, mobiliário ou em peças de design.
Para o arquiteto paulistano Francisco Cálio, os clientes, assim como os profissionais, estão mais preocupados com a preservação do meio ambiente. “Existe uma tendência mundial do uso desse material na forma mais natural, sem aplicação de produtos químicos”, analisa.
Preocupação marcante nos seus trabalhos, Cálio explorou esse conceito no Lounge da Casa Cor – SP. A escada e o piso são de madeira de demolição. Os móveis asiáticos foram feitos a partir de madeira de reflorestamento e lavados com jato de areia. Um dos destaques é a mesa produzida com uma raiz, da designer Mônica Cintra. “Madeira que a natureza despreza e os índios usam como lenha, estão sendo transformadas em obras de arte por artistas brasileiros”, comenta.
Troncos que ganham forma de chaises, raízes e cascas de árvores tombadas que se transformam em mesas de centro.
Nessas peças, as falhas e manchas que normalmente tornariam a madeira imprópria são incorporadas ao design. “Os artistas estão interferindo de forma muito criativa, produzindo peças elegantes e de conceito contemporâneo”, ressalta o arquiteto Luiz César Antunes.
No ambiente assinado por ele na mostra Habitare Polo AD, o piso é de madeira reaproveitada de obras. Na parede, duas esculturas de galhos, do artista ribeirão-pretano Marcelo Maimoni.
Mas os arquitetos ressaltam que no Brasil ainda existe uma questão cultural a ser trabalhada.
Madeira certificada
A indústria moveleira já está empenhada em utilizar apenas madeira certificadas, que foram extraídas em áreas de manejo sustentável. Nessa produção, outro destaque é a diversidade de espécies utilizadas.
“Por conta desta disponibilidade de produtos no mercado, você consegue se engajar no movimento de preservação das nossas matas, que já foram dizimadas de maneira tão predatória. Cabe ao arquiteto contribuir com seu trabalho”, conclui Antunes.
Cascas e troncos viram peças de design
Uma raiz, um tronco de árvore ou mesmo cascas que seriam descartadas pela própria natureza ganham nova vida e viram peças de design nas mãos de Mônica Cintra.
“A raiz é muito interessante, possibilita a criação de formas bonitas”, comenta a designer.
Partindo do conceito de que toda madeira é uma matéria-prima especial e pode ser explorada para adequar-se a uma função, Mônica cria peças de mobiliário com o que considera resíduos florestais.
As fendas e os contornos são valorizados pela designer num trabalho artesanal. A forma dos móveis sai dos troncos que ela seleciona para esculpir.
“Tento respeitar a forma natural”, diz.
Cedro, Peroba e Canela estão entre os tipos que utiliza. A matéria-prima passa por um tratamento para retirar os podres e o cupim, típicos da deterioração natural.
“Meu trabalho é enxergar a beleza e as possibilidades contidas em cada raiz”, define.
Jornal A Cidade - 23/06/07