JOSÉ ANTONIO BONATO
A região central deveria passar por uma revitalização que envolvesse uma parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada para voltar a ser o "coração ardente" de Ribeirão Preto.
A proposta é do arquiteto e urbanista José Antonio Lanchoti, professor do Centro Universitário Moura Lacerda e doutor pela FAU (Faculdade Arquitetura e Urbanismo) pela USP (Universidade de São Paulo). Uma alternativa para os casarões na região da Baixada, que hoje se encontram em processo de deterioração, seria sua transformação em moradia de estudantes. Lanchoti coordena as discussões de uma das leis complementares do Plano Diretor, a de Mobiliário Urbano. Entre as questões do Mobiliário Urbano está a relacionada à acessibilidade, assunto no qual o arquiteto se especializou.
Em 1994, Lanchoti fez alunos utilizarem o espaço público em cadeiras de rodas, com os olhos vendados e com muletas, para que eles sentissem as dificuldades que os deficientes têm no seu dia-a-dia.
Para o arquiteto, que é funcionário da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Ambiental, Ribeirão deixa a desejar do ponto de vista da acessibilidade. Mas vê avanço na exigência, por parte da prefeitura, que as construções, desde 2000, garantam acessibilidade com segurança e autonomia.
Lanchoti está otimista em relação às discussões do Plano Diretor, mas alerta que 150 anos de problemas não serão resolvidos com a sua aprovação, prevista para acontecer até outubro.
Outra observação feita por Lanchoti diz respeito às discussões, em audiências públicas, sobre o Plano Diretor, que estariam muito mais voltadas aos interesses particulares do que aos interesses coletivos.
Um exemplo da predominância de interesses particulares em detrimento da cidade está na arborização. Comerciantes, para Lanchoti, acreditam que, sem árvores em frente a seus estabelecimentos, melhoram o desempenho das vendas. Lanchoti cita também a regularização, mediante pressão de maus vereadores, de obras irregulares.
José Antonio Lanchoti é o entrevistado desta semana da Agenda Ribeirão, espaço semanal no qual são debatidos os problemas da cidade e feitas sugestões para sua solução. Leia, abaixo, a entrevista, feita por email.
Gazeta - O que você, um arquiteto e urbanista, se pudesse, mudaria em Ribeirão Preto?
José Antonio Lanchoti - Inicialmente faria um trabalho sócio-cultural buscando resgatar na sociedade ribeirãopretana o antigo espírito comunitário e entender que a cidade é de todos e que qualquer benefício pessoal e individual que se queira ter da cidade refletirá em um incômodo a várias outras pessoas. Desta maneira estaríamos contribuindo para implantar a cultura do planejamento, tão necessária para a compreensão do futuro da cidade ou do seu completo mergulho no descaso e na degradação. Pensando em termos de intervenção física, lançaria uma megaoperação urbana na região central da cidade, buscando resgatar sua força e sua imponência como o coração ardente de Ribeirão Preto. Não a limitaria à mera reforma de calçadão ou de passeios públicos nas avenidas Nove de Julho ou Jerônimo Gonçalves. Acredito que uma intervenção consciente nessa região da cidade poderá gerar novas iniciativas e parcerias entre Poder Público e iniciativa privada em outras regiões da cidade como as avenidas Saudade, dom Pedro, Via do Café, etc.
Gazeta - Você desenvolveu um projeto sobre acessibilidade para o Ministério das Cidades. Como foi essa experiência?
Lanchoti - A experiência com o Ministério das Cidades nasceu de um antigo projeto feito com alunos de arquitetura e urbanismo do Centro Universitário Moura Lacerda, em 1994, quando iniciei levá-los ao espaço urbano usando cadeira de rodas, olhos vendados, muletas e outros instrumentos que os colocassem em condições de mobilidade reduzida ou comprometida. A experiência de fazê-los compreender as dificuldades das pessoas com deficiência tem sido altamente recompensada quando encontro com ex-alunos e percebo a contribuição que demos. Esse trabalho foi apresentado naquele ano em um congresso internacional e daí para a frente estivemos em vários eventos voltados à discussão da acessibilidade. Em 2000 recebi o convite de membros da ABNT para compor a equipe técnica de apoio para a revisão da Norma de Acessibilidade (NBR-9050). Eu era o único membro do interior e também o único representante de Instituição de Ensino Privada (Moura Lacerda). Na seqüência participei de uma concorrência pública para redigir o Caderno do Ministério das Cidades sobre Acessibilidade - "Construindo a Cidade Acessível". Foi uma experiência ímpar trabalhar com o governo federal. Independentemente de partidos políticos, temos que reconhecer a importância de pela primeira vez na história do país termos um ministério preocupado com as políticas públicas dos municípios, entre elas a que está voltada às pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida. Na seqüência do Caderno, compus a equipe que definiu o Programa Brasileiro de Acessibilidade - Brasil Acessível, também do Ministério das Cidades e também na elaboração do decreto federal n.° 5.296/04, que trata de acessibilidade, elaborado pela Casa Civil.
Gazeta - Os deficientes físicos de Ribeirão Preto podem se dar por satisfeitos com a cidade no que tange à acessibilidade?
Lanchoti - De maneira alguma. Em 1995 quando foram feitas as primeiras mil rampas na cidade podíamos dizer que éramos pioneiros na questão de acessibilidade. Tínhamos, também, as primeiras 4 vans adaptadas, coisa quase que inédita em todo o país. O que temos dez anos depois? Umas 1.500 rampas a mais (feitas em 1996/97) e 3 ou 4 vans a mais... Isso é muito pouco. O que podemos dizer que é um grande avanço é a política de tratamento por parte do Departamento de Obras Particulares, que exige de todas as obras, desde 2000, que as mesmas tenham acessibilidade com segurança e autonomia. Nossa lei municipal (também pioneira) é de 1995, mas é com a aprovação do decreto federal n° 5.296, em 2004, que esta postura tomou mais força e respeitabilidade entre os profissionais da construção civil. Entendo que estamos retomando uma preocupação nacional, buscando inserir com o apoio de entidades como a Aeaarp, o Crea e as universidades esse conceito de direito universal a todos os cidadãos, por uma simples questão de cidadania. Temos que entender que essa preocupação deve ser de todos a todo momento, e não apenas do Poder Público. E, para isso dar resultado com eficiência e rapidez, nada melhor que vocês - a imprensa - para colaborar.
Gazeta - Você está otimista com as discussões a respeito do Plano Diretor de Ribeirão Preto?
Lanchoti - Claro que sim. Faço parte dessa discussão há pelo menos 10 anos. Lido com esse assunto na universidade onde sou professor e coordeno uma das leis complementares - a do Mobiliário Urbano. Hoje a discussão tem sido feita por diversos meios da imprensa como o simples atendimento da lei Federal do Estatuto da Cidade. Não estamos preocupados com as exigências legais porque para elas tivemos, em 2003, a aprovação da alteração da Lei Complementar que instituiu o Plano Diretor. Nossa preocupação maior é com os benefícios necessários que a aprovação das leis complementares trarão para o futuro da cidade. Temos que discutir com a população o que queremos para a Ribeirão Preto para daqui 20, 30 anos. Estamos hoje pagando o preço das enchentes pela ausência de preocupação com a natureza ocorrida há 10, 20 anos atrás.
O que sentimos é que ainda não conseguimos instituir a cultura do planejamento e a preocupação da sociedade com a totalidade do município. Vemos grupos de pessoas discutindo os interesses de sua rua ou de sua casa. O individual e o interesse de um grupo não pode sobrepor em hipótese alguma o interesse da sociedade, assim sendo, gostaríamos que mais e mais pessoas remetessem aos nossos e-mails sugestões e solicitações para as discussões do Plano Diretor. Estamos assistindo um desinteresse da sociedade por assuntos de suma importância, mas que não agüenta mais a discussão... é a sociedade respondendo à falta de movimentação.
Gazeta - A cidade, na sua opinião, vai dar um salto de qualidade quando todas as leis complementares forem aprovadas?
Lanchoti - Temos que entender que nem o Plano Diretor nem as leis complementares são "varinhas de condão" que, como num passe de mágica, resolverão problemas produzidos nesses últimos 150 anos. Porém esses documentos estabelecerão o compromisso pela cidade que se quer para os próximos "150 anos". A função social da cidade e da propriedade estabelecerá parâmetros da construção da cidade democrática e mais justa a todos. Distribuirá os ônus e o bônus do seu progresso. Para isso é necessário que a sociedade esteja atenta e presente nas discussões e nas aprovações na Câmara dessas leis, pois os políticos vêm e vão, e a comunidade fica. Assim, cabe a ela cobrar dos novos políticos o compromisso construído e aprovado por todos.