Advogados questionam leilões de imóveis de bancos.
Nem sempre a falta de pagamento das parcelas do contrato de financiamento de um imóvel justifica as providências tomadas pelos bancos contra inadimplentes. Algumas, como o leilão extrajudicial, podem ser contestadas na Justiça e são questionadas por advogados imobiliários.
A mais polêmica delas é a execução fora da Justiça, em que o imóvel é mandado para leilão sem passar pelo tribunal. O mutuário geralmente é avisado por cartório, e o banco indica um perito para avaliar o bem. Advogados e juízes acham essa prática abusiva quanto aos direitos do consumidor.
"Esse tipo de questão tem de ser discutida judicialmente, com direito de defesa", opina Demóstenes Lopes Cordeiro, 48, vice-presidente da Comissão Estadual de Direito Registrário Imobiliário e Urbanístico da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil).
"Não concordo com o leilão extrajudicial, mesmo que esteja previsto em contrato. As pessoas aceitam cláusulas leoninas no afã de conseguir a casa própria."
O advogado e consultor imobiliário Décio Rafael dos Santos, 56, faz coro. "O leilão extrajudicial pode ser contestado em qualquer caso, pois afronta o Código de Defesa do Consumidor", crava.
O presidente da Associação Brasileira de Moradores e Mutuários, Paulo Roberto Zancaneli, 44, classifica a medida como "justiça com as próprias mãos". "O credor não pode fazer a execução por si mesmo", analisa.
Fora da Justiça
Mesmo assim, instituições financeiras e construtoras/incorporadoras (quando o financiamento é negociado com elas) adotam o procedimento. Para o advogado Carlos Eduardo Duarte Fleury, 46, superintendente-geral da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), o caminho fora da Justiça é uma opção possível, desde que a providência não seja tomada antes de três meses de inadimplência.
"O processo extrajudicial é totalmente constitucional", diz. "O mutuário ganha na Justiça em primeira instância, mas perde no Supremo [Tribunal Federal]." No entanto, o advogado Luiz Kignel, 40, ressalta: esse procedimento deve estar previsto no contrato.
Para evitar problemas, especialistas sugerem que, antes de dois meses de insolvência, o comprador procure o banco para um acordo. "Muitas vezes o adquirente não se manifesta. Ele deve mostrar boa-fé", observa Kignel.
A Ammesp (associação de mutuários) registrou, de janeiro a setembro deste ano, cerca de 9.500 processos contra execuções de bancos contra inadimplentes. "Muitas ações obtiveram liminares que suspenderam os leilões, reconhecendo que houve abuso", contabiliza Marcelo Donizetti, 37, presidente do grupo.
Aviso prévio
Outra questão ligada aos leilões é a do aviso prévio. Para o Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor), não basta que o mutuário seja citado por um edital publicado em jornal.
"Ele tem de ser notificado pessoalmente", ressalta Paulo Arthur Goés, 33, assessor técnico do órgão. E tem de haver no mínimo dois editais, lembra Santos.
Para Edwin Britto, 55, secretário da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-SP, a medida deve ser tomada após três notificações. "E deve ser dado um prazo de 15 dias para o mutuário acertar a dívida."
A secretária E.P.S., 34, que não quis identificar o nome, conta que só soube que seu imóvel iria a leilão quando uma engenheira foi avaliar o bem. "Não fui notificada previamente", contesta. Segundo seu advogado, só o ex-marido --o imóvel foi comprado pelos dois-- havia sido intimado.