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Urbanização é risco.

Heraldo Campos, da OEA, é contra loteamentos na Zona Leste e defende agricultura sem uso de agrotóxicos.



O geólogo Heraldo Campos, da OEA (Organização dos Estados Americanos), é totalmente contra a urbanização da Zona Leste de Ribeirão Preto. Para ele, essa seria uma medida ideal para garantir que a água da chuva reabasteça o Aqüífero Guarani.

"É pela Zona Leste de Ribeirão Preto que entra a água de chuva para o Aqüífero Guarani. É como se fosse uma grande esponja que absorve essa água, que vai abastecer o reservatório mais ao oeste, no seu caminho subterrâneo natural. Se houver mais impermeabilização do solo, a infiltração vai diminuir", declara.

O geólogo lembra também, como justificativa, que estudos revelam que se retira 17 vezes mais água do manancial do que a quantidade reposta pelas chuvas.

Campos diz que, há 200 milhões de anos, a Zona Leste de Ribeirão Preto era um grande deserto, semelhante ao do Saara, no norte da África. Com a separação dos continentes, lavas vulcânicas encobriram as dunas de areia que existiam.

O geólogo da OEA afirma que a produção agrícola de base orgânica, sem o uso de agrotóxicos seria uma prática ideal nas terras localizadas na zona leste.

A desapropriação da fazenda da Barra, pela Justiça, para o assentamento de famílias de sem-terra pode servir de modelo de produção agrícola na Zona Leste, diz Campos. A intenção do Incra, segundo reportagem da Gazeta veiculada na última quinta-feira, é promover uma agricultura sem a utilização de agrotóxicos.

Por ser uma "esponja", o solo na região leste da cidade apresenta um grande potencial de poluição das águas subterrâneas, pela infiltração de agrotóxicos ou outras substâncias poluentes. Heraldo Campos é o entrevistado desta semana da Agenda Ribeirão, seção da Gazeta que debate Ribeirão Preto em seus 150 anos.

Gazeta de Ribeirão - Explique por que, na sua opinião, a zona leste não deveria mais receber loteamentos.

Heraldo Campos - Porque é pela zona leste de Ribeirão Preto que entra a água de chuva para o Aqüífero Guarani. É como se fosse uma grande esponja que absorve essa água, que vai abastecer o reservatório mais ao oeste, no seu caminho subterrâneo natural. Se houver mais impermeabilização do solo nesta zona, a infiltração vai diminuir e o aqüífero não terá a reposição da água que já é retirada em excesso por vários poços profundos.

Gazeta - Como era essa região sobre o Aqüífero Guarani há milhões de anos, até chegar como está hoje?

Campos - A zona leste é a área de afloramento ou de exposição de rochas sedimentares muito antigas, o chamado deserto Botucatu. Foram antigas dunas de areia, como o deserto do Saara de hoje, que se formaram quando os continentes Africano e Americano estavam juntos há 200 milhões de anos atrás. A partir do inicio da separação dos continentes o extravasamento de lavas, por grandes fraturas, vai recobrindo esse deserto.

Gazeta - Você acredita que vai haver, da parte dos poderes públicos, a precaução necessária em relação à preservação do Aqüífero Guarani?

Campos - É o que esperamos. O histórico de Ribeirão Preto, com suas instituições e universidades, produziu um farto material ao longo dos anos, como relatórios técnicos e teses acadêmicas. Isto já é o suporte suficiente para as ações políticas no sentido da proteção que merece ter o Aqüífero Guarani, responsável 100% pelo abastecimento do município.

Gazeta - A fazenda da Barra, desapropriada pela Justiça para reforma agrária, vai destinar 35% de sua área para reserva legal e praticar a agricultura orgânica. Seria um modelo de produção agrícola para terras naquela região do município?

Campos - Sem dúvida. Se pudesse ter um percentual ainda maior para esse tipo de agricultura seria ainda melhor. O Aqüífero Guarani pelas suas características naturais, principalmente nas áreas de recarga direta onde o arenito Botucatu é aflorante, é muito frágil e vulnerável à contaminação. A utilização indiscriminada de agroquímicos é preocupante e deve ser repensada. Condições técnicas para essa mudança de hábito a região tem. É preciso ter vontade e coragem política para uma nova atuação nessa área.

Gazeta - Qual a situação hoje do Aqüífero Guarani?

Campos - É preocupante, porque se retira dele 13 vezes mais água do que a chuva consegue repor pela precipitação e posterior infiltração. Na zona central da cidade a profundidade do que seria o nível natural da água subterrânea já está além dos 60 metros. Isso quer dizer que os poços têm que ser cada vez mais profundos e, conseqüentemente, mais caros.

Gazeta - Quais as medidas que estão em curso para a proteção desse manancial de água e quais são os órgãos envolvidos nessa iniciativa?

Campos - As medidas para o disciplinamento e o controle da retirada das águas do Aqüífero Guarani são discutidas em Ribeirão Preto no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Pardo. O Comitê é o fórum apropriado e democrático, para as ações que levam à gestão do aqüífero. Como exemplo disso, é não permitir novas perfurações de poços, a não ser para substituição de poços do abastecimento público, na zona central da cidade. Os órgãos envolvidos nessa iniciativa são vários, tanto da esfera municipal como estadual, além da participação da sociedade civil. Alguns deles: DAEE, DAERP, CETESB e Instituto Geológico .

Gazeta - Como é o diálogo entre os quatro países que estão sobre o aqüífero?

Campo - É bom. O Aqüífero Guarani tem que ser fraternalmente compartilhado na sua utilização pelos quatro países, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e administrado respeitando a soberania dos povos que habitam essa região do Cone Sul. O papel da OEA é de articular técnica e politicamente as ações para a gestão internacional conjunta, para que possamos ter o Aqüífero Guarani servindo as atuais e as futuras gerações.

RAIO-X

Nome: Heraldo Campos

Formação acadêmica: Geólogo (UNESP, 1976), mestre (USP, 1987), doutor (USP, 1993) e pós-doutor em Hidrogeologia (Universidade Politécnica da Catalunha, 2000).

Estado Civil: casado

Filhos: Theo

Profissão: Geólogo

Cargo: Facilitador Local do Projeto Piloto Ribeirão Preto (OEA)

Hobby: Caminhadas

Livro: O último que li: "Do golpe ao Planalto, uma vida de repórter", de Ricardo Kotscho

Música: Rock & Roll

Um líder: O geógrafo Aziz Ab"Saber

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