O condômino prejudicado com o corte no fornecimento do gás, em razão de atraso no pagamento de sua taxa de condomínio, não tem direito a indenização. Decisão nesse sentido foi proferida pelo Tribunal de Alçada do Paraná, em acórdão relatado pelo juiz Rosene Abraão de Cristo Pereira (in Boletim do Direito Imobiliário, ano XVIII, nº 13, maio/97), o que serve de orientação para todos os Síndicos, que geralmente não sabem o que podem ou não podem fazer quando o condômino se torna inadimplente.
Diz a ementa do acórdão: “1. Se a convenção condominial previu que o atraso no pagamento da taxa referente ao fornecimento de gás implicaria na cessação do seu fornecimento, o condômino não tem direito a ressarcimento, uma vez comprovada a inadimplência. 2. O Síndico não está obrigado a esperar a comunicação bancária do pagamento, uma vez que a notificação efetuada deixou ciente o condômino que deveria comprovar o cumprimento de sua obrigação, mediante a entrega do respectivo recibo na portaria.”
A discussão entre o condômino e o condomínio travou-se no bojo de ação cominatória cumulada com perdas e danos e repetição de indébito, na qual o autor alega que deixou de pagar o rateio da despesa condominial, pois não foi notificado pelo Síndico para efetuar o pagamento em atraso, no prazo de 48 horas, sob pena de ser suspenso o fornecimento de gás.
Na inicial, o morador sustentou ter pago ao Síndico dois dias antes do desligamento do gás, por meio de remessa postal, postulando, assim, pedido cominatório, para que o Síndico se abstivesse de desligar novamente o gás, além de indenização pelas refeições feitas em restaurantes.
Em sua contestação, o condomínio argüiu que o autor não se preocupou em diligenciar para que o Síndico tivesse conhecimento do pagamento na agência bancária no tempo oportuno, que não almoçava em casa, etc. O juiz singular, Nilson Mizuta, deu ganho de causa ao condomínio.
No julgamento em 2º grau, o relator Rosane Abraão de Cristo Pereira ressaltou que se o autor tivesse apresentado o comprovante de pagamento bancário na portaria (como solicitado em circular do condomínio), é evidente que o Síndico não teria determinado o corte do gás, e que não cabe ao síndico diligenciar junto ao banco para se certificar de que o pagamento foi efetuado, mas sim ao condômino inadimplente comprovar que liquidou com a obrigação, a fim de não ser prejudicado.
Confirmada a decisão, ficou assente o direito do condomínio de deixar de fornecer gás à condômino inadimplente, arcando o autor com as custas e honorários da ação.
Síndico diligente
A leitura do acórdão deixa patente que o Síndico do condomínio envolvido nessa indenizatória defendeu com diligência os interesses de sua comunidade. Veja-se que ele não determinou simplesmente o corte do gás do condomínio, mas aplicou de maneira correta o regimento interno do condomínio.
Primeiro, enviou circular aos condôminos, informando que o regimento seria aplicado, para que ninguém alegasse ignorância, depois, enviou cartas de cobrança aos inadimplentes, dando prazo de 48 horas para pagarem seu débito, além disso, enviou outro comunicado, solicitando que comprovassem o pagamento bancário junto à portaria do prédio.
Não deu margem para que o autor da ação pudesse alegar má fé, negligência ou perseguição do Síndico.
O Síndico e a Justiça certamente são merecedores de cumprimentos.
O que pode ou não cortar
Como é que você se sentiria, se estivesse arcando com parte da despesa de uma festa, e seu filho não fosse sequer convidado? Ou qual seria sua reação, se lhe dissessem que seu vizinho está tomando banho com a água que você esta pagando?
Indignação, raiva, aborrecimento, frustração. Estes são alguns dos sentimentos que atingem os condôminos pontuais, que se sentem explorados pelos que não pagam em dia, mas continuam a usufruir de todos os serviços, facilidades e privilégios do condomínio. Se pudessem, cortariam ou suspenderiam todas as vantagens dos condôminos inadimplentes, o que não é permitido por lei, com o beneplácito da justiça. Mas será que o condomínio é obrigado a se manter inerte, sem poder limitar ou restringir nenhum tipo de benefício ao faltoso? Não é fácil estabelecer critérios. Como regra geral, podemos dizer que serviços essenciais não podem ser cortados do inadimplente. São basicamente o fornecimento de água e luz. O gás também é essencial, se for central e as normas do condomínio proibirem o uso e bujões. Há edifícios que fornecem água quente e ar condicionado, duas comodidades que podem perfeitamente ser suprimidas num país como o Brasil.
Do outro lado da moeda, há serviços que são indispensáveis e que podem ser descontinuados. Por exemplo: central de telefonia, TV a cabo, lavagem de veículos, aulas de ginástica, condução para a escola, limpeza de áreas privativas etc. a propósito, muitos condomínios estão exagerando suas atribuições, indo além do que prevê a lei e a convenção; tornaram-se verdadeiros clubes ou supermercados de variedades. Tudo o que é atípico ou que fuja da natureza do condomínio, portanto, pode ser suspenso.
Regulamentar
Difícil também é fixar os limites quanto ao uso dos equipamentos e facilidades comuns do prédio. Certamente todos concordam que o devedor contumaz não deve ter acesso ao salão de festas do condomínio, quer seu filho seja ou não convidado. De igual forma, se a ele for negado o uso da sauna do edifício. As opiniões ficarão divididas, no entanto, se o filho do mau pagador não puder utilizar a piscina, o salão de jogos e o playground. A utilização de tais áreas não é feita com exclusão dos demais condôminos, como no caso do salão de festa ou da sauna, nem traz despesa adicional para o condomínio.
Outro direito que não pode ser suprimido do devedor é sua liberdade de entrar e sair do edifício, nem de fruir de sua unidade autônoma. O livre acesso ao imóvel inclui o uso irrestrito dos elevadores, necessário para quem mora nos andares superiores. Se a edificação dispõe de vagas para estacionamento, seu uso, em princípio, não poderá ser negado ao condômino em mora. Para fazer valer qualquer proibição, o condomínio deverá regulamentar o uso de suas áreas comuns e dos serviços que oferece, através da convenção e do regimento interno, estabelecendo não só punições, mas a cobrança discriminada de tudo o que não seja próprio da instituição, em forma de taxa de serviço, de modo a distinguir o básico do supérfluo. Assim, você continuará pagando pela água do banho de seu vizinho relapso, por meses e até anos, mas ao menos poderá barrar o gozo de mordomias e utilidades não essenciais. Talvez não seja um conforto, mas é o mínimo que se pode fazer.
Luiz Fernando de Queiroz,
advogado na cidade do Rio de Janeiro.
(Revista SÍNDICO Jan.-Fev./98, p. 11)