São quase 60 mil, só na zona sul, que viram o preço de suas propriedades dobrar.
Os preços pareciam altos há dois anos, afinal o Leblon já era o bairro mais caro do Rio de Janeiro. Mas a decisão da arquiteta Carolina Ferreira não podia ter sido mais acertada: os R$ 400 mil investidos num dois quartos na quadra da praia praticamente dobraram no período. A alguns passos dali, na orla, o metro quadrado já está em R$ 30 mil, três vezes mais do que o preço médio do bairro mais valorizado de São Paulo, o Jardim Europa.
"Voltei para a casa dos meus pais, estou reformando e estudando a possibilidade de vender. Eu achava que haveria valorização, mas não imaginava que seria assim. Tenho primas que compraram apartamentos maiores no bairro que, com certeza, já passaram de R$ 1 milhão."
Pesquisa do Secovi-RJ, feita para a Agência Estado com base em mais de 5 mil imóveis negociados na cidade, mostrou que, desde o ano passado, a disparada de preços fez o Rio ganhar quase 60 mil novos milionários apenas na zona sul. É gente que, se pudesse deixar o apartamento, como Carolina, poderia botar mais de R$ 1 milhão no bolso.
Mas se no País inteiro fundamentos sólidos alçaram o mercado imobiliário a um novo patamar de preços, a perspectiva de investimentos por conta de Copa do Mundo (2014) e Olimpíada (2016) colocaram a zona sul do Rio no centro do boom imobiliário nacional. Outros fatores que contribuem para isso são a falta de terrenos para construir e o foco de investidores no mercado de alto padrão da cidade, a mais conhecida entre os estrangeiros.
"Há valorização em várias cidades, mas o Rio é um caso à parte", diz o economista Ricardo Torres, consultor e professor de finanças da Brazilian Business School. "A primeira onda de valorização sustentada está passando. Agora há exagero em alguns casos, as pessoas já estão pagando fortunas por qualquer coisa."
Mercado de luxo. Investidores estrangeiros, que despejaram dólares e euros no mercado imobiliário da cidade, ajudaram a impulsionar os preços no setor de luxo, conta Torres. O consultor diz estar recebendo muita demanda tanto de amigos que querem ter um apartamento na cidade quanto de grandes investidores atrás de terrenos para construir hotéis para a Copa e a Olimpíada. Segundo Torres, os estrangeiros compararam o preço do metro quadrado do Rio com o de outras grandes cidades do mundo e chegaram à conclusão de que havia muita pechincha na cidade. O movimento é especialmente forte na Europa, onde virou um certo modismo comprar apartamento no Rio, conta ele.
Sem o mar e com mais espaço para construir, o mercado de luxo de São Paulo não acompanhou a valorização carioca. Segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), consultoria privada que faz levantamento de preços no setor, o metro quadrado mais caro de São Paulo chega, no máximo, a R$ 15 mil.
"O Rio é mais valioso por causa do mar, por ser uma cidade turística conhecida no mundo inteiro. Na orla, o metro quadrado já passa de R$ 30 mil com segurança, enquanto no Jardim Europa a valorização chegou a, no máximo, metade disso", diz Luiz Paulo Pompéia, diretor da Embraesp.
Corrida especulativa. O cenário é mais agudo justamente no bairro que Carolina escolheu para se instalar: 97% dos apartamentos de quatro quartos do Leblon foram negociados neste ano por mais de R$ 1 milhão, diz o Secovi-RJ, que representa 860 empresas entre administradoras e imobiliárias.
Mas, apesar de especialistas apontarem indícios de corrida especulativa em casos específicos como em algumas áreas do Rio, e de investidores visando ao lucro disputarem espaço com quem usa o crédito farto para realizar o sonho da casa própria, o mercado não aposta que haja uma bolha prestes a explodir pelo País. Há consenso de que o Brasil está chegando a um novo patamar de preços, mais alto.
"O problema seria se estivéssemos com o mercado imobiliário muito alavancado, como aconteceu nos Estados Unidos, mas não é isso que a gente vê. O crédito não está crescendo descontroladamente", diz o presidente da João Fortes Engenharia, Francisco de Almeida e Silva.
Mesmo com o aumento expressivo dos financiamentos da Caixa Econômica - de R$ 5 bilhões em 2003 para uma previsão de R$ 60 bilhões este ano, com prazo de até 30 anos - o crédito imobiliário no Brasil está em apenas 3% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto na Chile está em 20%; nos Estados Unidos em 67%; e no Reino Unido em 75%, lembra o analista de construção da Ativa Corretora, Armando Halfeld.
Segundo ele, o maior motor de crescimento do financiamento é concentrado no setor de baixa renda. Já os excessos estão sendo percebidos em áreas nobres e saturadas. Mesmo assim, não há apostas de baixa até a Olimpíada de 2016. Silva, da João Fortes, acredita que a valorização dos imóveis na zona sul do Rio pode desacelerar, mas não aposta em queda de preços. "O mercado é escasso e não tem para onde crescer. Falta oferta." /COLABOROU ALEXANDRE RODRIGUES
RAZÕES PARA...O boom imobiliário nacional
1. A taxa Selic em baixa despejou recursos na caderneta de poupança, que tem obrigação de aplicar no mínimo 60% dos recursos em financiamento imobiliário.
2. Extensão nos prazos de financiamento para até 30 anos e redução dos
pré-requisitos para aprovação do crédito.
3. Temores provenientes da crise financeira internacional, que motivam pessoas a migrarem da bolsa e de fundos de investimento para
ativos tidos como seguros, como imóveis.
O Estado de S.Paulo - 18/07/10