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A necessidade é inspiradora. Ela é a mãe da criação. Exemplo: o homem inventou a escrita pela necessidade que tem de se lembrar das coisas. Constrói-se uma cidade pela necessidade. Mas o sentimento que lhe gera é múltiplo. Na verdade são sentimentos. Vejamos alguns: medo, interesse, inveja, vaidade. Vamos tentar analisar estes sentimentos. Quando andamos pelas ruas das cidades de qualquer país do mundo podemos tentar enxergar, num exercício solitário, o que motivou uma a uma as construções todas. Vale dizer: a arquitetura. Nas cidades, os espaços foram sendo, ano a ano, dominados pelo medo e pelo automóvel, justificando a arquitetura dos condomínios fechados. E dos edifícios cheios de apetrechos de segurança. O Homem deslocou-se do campo para formar a cidade exatamente em busca de segurança. Que é gênero de primeira necessidade. As cidades medievais tinham fortalezas – ou eram verdadeiras fortalezas – para se defenderem de ataques de cidades inimigas. Ou de outros inimigos. A construção macro tinha por meta a segurança. Já as construções das cidades de hoje foram adaptadas para elas individualmente terem o que a cidade antiga, no conjunto, não oferecia. A maioria das cidades brasileiras – para ficarmos apenas em nosso país – não foi construída prevendo-se o automóvel. Com o advento deste – que é o individualismo no trânsito - a adaptação das artérias impôs novas posturas no que a cidade ainda viria a ter. Criou-se a área de expansão urbana, parte do território físico do município que se situa entre a zona urbana e a zona rural. Apareceram avenidas, elevados, túneis. A inveja nos move. Entendo a inveja como sendo o pecado capital através do qual Satanás se mostra. Quando o diabo quer se manifestar, toma o rosto, as feições de um invejoso. Mas ela motiva construções. Vejamos: alguém de quem se inveja construiu imóvel de destaque. Em seguida lá vai muita gente imitá-lo. E, quando possível, tentar superá-lo. Quantas arquiteturas você não conhece que nasceram deste sentimento? Não é mesmo? Construímos para vender. Ou para alugar. Fora as que construímos para nosso uso. Nos três casos, o móvel foi o lucro. Lucro é a versão econômica do interesse. Ele é considerado o lubrificante da economia. E a vaidade? Algumas construções são a prova do tamanho da vaidade de certas pessoas. Constrói-se, afinal, por diversas razões. Em todas estas razões encontramos motivos ou sentimentos que podem ser identificados. A materialização vem com recursos próprios ou de terceiros. Mas, cada cidade é a resultante da soma de bons e maus sentimentos. Quem consegue identificá-los, consegue ver parte do que se denomina de alma da cidade. As cidades têm alma. Como as palavras. Os bairros são parte da alma das cidades E os loteamentos também. Você já percebeu que há locais em que você não se sente bem? São as afinidades eletivas.
VICENTE GOLFETO |