Brasil se tornará grande exportador de petróleo, a balança comercial bateu novos recordes, o FDI está em níveis jamais vistos, o país está no rumo para atingir o tão sonhado grau de investimento, o subprime impacta a economia americana, mas pouco afeta a estabilidade econômica do Brasil. Essas afirmações e outras têm sido destaque nos jornais brasileiros, e até mesmo no exterior, e o mundo se mostra extremamente receptivo e otimista com relação ao Brasil. O mercado imobiliário bate recordes de lançamentos, financiamentos e vendas, as incorporadoras aumentam as projeções de valor geral de vendas (VGV) - enfim, estamos navegando em um mar de almirante! Em meio a todo esse otimismo em que governo, empresários e investidores vivem preocupados com investimentos em infra-estrutura que permitam a preservação do crescimento de forma sustentável, volto com um assunto que, no contexto, pode ser considerado pequeno, mas que tem um potencial enorme para melhorar os índices sociais no país: a locação de imóveis residenciais.
O tema é de grande relevância e impacto econômico e, o que é o melhor, de relativamente fácil implementação. Se levarmos em consideração que o déficit habitacional brasileiro atinge a incrível marca de oito milhões de residências, que as classes C, D e E representam mais de 95% desse total e que existem em torno de cinco milhões de domicílios vagos, teremos melhor clareza de que algo precisa ser feito. Não quero, com isso, dizer que essas medidas resolverão todos os problemas, pois esse complexo tema só terá solução com a adoção de uma série de políticas em várias frentes, mas uma delas, com certeza, é a alteração das leis envolvidas na locação.
A primeira questão se refere ao tempo para desocupação de imóveis residenciais. Alguns números mostram que a média de desocupação litigiosa é em torno de 18 meses. Além disso, ela vem acompanhada de uma série de outros custos - advogado, redução do aluguel durante o período de acordo, reforma do imóvel em função da má conservação, entre outros - que acabam por reduzir o retorno obtido pelo locador, fazendo com que o investimento imobiliário para locação seja uma péssima opção. O prazo de despejo é inversamente proporcional ao interesse de se investir em imóveis para locação. Por outro lado, a demora no despejo só ajuda a segregar o potencial locatário que não tem histórico de crédito, alto salário ou devida garantia. A desocupação de forma rápida por falta de pagamento traz ao mercado um enorme número de pessoas que tem condição necessária para sustentar um aluguel, mas que ainda não tem um dos três pontos listados acima, ou seja, ao contrário do que alguns possam imaginar, a agilidade do despejo seria uma medida de inclusão social, à medida que favorece principalmente as classes menos abastadas.
A segunda questão se refere à alíquota de 27,5% de imposto de renda incidente na locação de imóveis, mensalmente via carnê-leão, com compensação na declaração anual. O imóvel, dado o seu baixo potencial de giro no mercado, pode e deve ser considerado como um investimento de longo prazo. Por que, então, o investimento em imóveis deve ter essa alíquota, ao invés dos 15% cobrados no investimento em qualquer título de renda fixa por prazo superior a 24 meses? Não esqueçamos que a valorização do bem já é tributada em 15% e ainda existem os custos de registro e de cartório, sem contar os de corretagem, que no total chegam a perfazer 10% do valor do bem, ou seja, a compra de um imóvel para venda rápida não vem a ser, em condições normais, boa alternativa de investimento de curto prazo. A redução dessa alíquota, com certeza, traria um novo e competitivo ativo ao leque de produtos para poupança e investimento de longo prazo, ajudaria a aumentar a oferta de imóveis para locação e, consequentemente, a reduzir o preço dos aluguéis.
A terceira questão é cultural. Existe a crença incutida nos brasileiros de que só a casa própria traz segurança - e acredito que, até por essa razão, haja a preocupação de que o proprietário de um único imóvel não possa ser despejado em caso de inadimplência. Apesar desse tema ser extremamente controverso, com opiniões e argumentos relevantes de ambos os lados, acho que deve ser debatido. Sou da opinião que essa crença é um erro. Em vários países desenvolvidos, a moradia de aluguel é vista como uma boa opção - nos EUA, o mercado de locação chega a atingir 55% dos imóveis -, principalmente em função da distância e das dificuldades de transporte. É normal executivos utilizarem imóveis locados durante os dias úteis, para maximizar o tempo, voltando para casa nos finais de semana. Além disso, em função do alto custo dos imóveis, novos profissionais e recém-casados optam pelo aluguel, normalmente próximo ao local de trabalho ou ao transporte coletivo. No Brasil, a situação é completamente diferente. As pessoas buscam a casa própria, mesmo que ela fique localizada no lado oposto da cidade, em relação ao local de trabalho. Lógico que a restrição orçamentária é uma limitação importante, e a escolha do bairro e da moradia estão vinculados a ela, mas essa é mais uma razão a alimentar a cultura da locação, a decisão da casa própria pode ser adiada, pois o custo do aluguel perto do trabalho pode caber no orçamento. Mas, muitas vezes, a ânsia do imóvel próprio cria a difícil condição de gastar horas do dia no trajeto da casa para o trabalho e do trabalho para casa. Vejamos o caso da cidade de São Paulo, onde várias pessoas trabalham na zona sul e moram, em casa própria, na zona norte ou zona leste. Como a cidade não tem a necessária infra-estrutura para suportar o fluxo de pessoas que se movimentam diariamente, o trânsito está, cada vez mais, caótico. E a tendência é de piora, em função do crescimento do país, por maior que sejam os investimentos nesse setor. Se o mercado de aluguéis fosse mais desenvolvido, com certeza muitos habitantes optariam por se tornar locatários, morando mais próximo ao local de trabalho e locando as atuais residências. Nestes casos, seria produtivo adotar a medida de tributação sobre o valor líquido recebido. Não faria sentido um indivíduo pagar imposto sobre o aluguel recebido na integralidade, sem ser levado em conta a despesa que está tendo no pagamento do aluguel. Em momentos de bonança como o que vivemos, pequenas medidas como essas poderiam dar um grande impulso, reduzindo o problema social.
*José Antonio Gragnani é Head of Structured Finance - Banco UBS Pactual