Nicola Tornatore
O MP (Ministério Público Estadual) está apontando uma suposta conivência da Prefeitura nas dezenas de mudanças que vem sendo feitas no zoneamento da cidade por iniciativa da Câmara Municipal. Na pauta do Legislativo, o projeto de lei mais comum é aquele que autoriza (“em caráter excepcional”) o funcionamento de estabelecimentos diversos (principalmente comércio e serviços) em áreas estritamente residenciais. E a Prefeitura, apesar de vetar os projetos de lei, não baixa em seguida o decreto de não-cumprimento, uma espécie de alerta para que os diversos setores da administração municipal não reconheçam a lei contestada. Sem esse decreto, os estabelecimentos conseguem obter o alvará da própria Prefeitura que havia vetado a mudança sob a alegação de inconstitucionalidade.
O processo de “regularização” de uma irregularidade começa com a Câmara Municipal aprovando um projeto de lei alterando o zoneamento de determinado bairro - geralmente, autorizando (ou mesmo apenas legalizando uma situação já de fato) o funcionamento de um determinado estabelecimento comercial ou de serviços. Encaminhado para promulgação pelo Executivo, o projeto quase sempre é vetado pelo prefeito Gilberto Maggioni, sob o argumento de vício de iniciativa - mudanças no zoneamento seriam de incumbência exclusiva do Executivo. O projeto volta então à Câmara, vetado, e o Legislativo derruba o veto e promulga a lei. O “pulo do gato” vem na seqüência - a administração deveria então baixar um decreto de não-cumprimento, simultaneamente à ação da Procuradoria Geral do Município, que deveria encaminhar ao Tribunal de Justiça ação direta de inconstitucionalidade. Só que isso não vem acontecendo em inúmeros casos - e sem o decreto de não-cumprimento, o estabelecimento obtém o alvará e fica quite com a administração municipal.
Para o promotor da Habitação e Urbanismo Antonio Alberto Machado, disse estranhar a atitude da Prefeitura. “O decreto é uma conseqüência natural para os casos em que a Prefeitura não sanciona a lei sob a alegação de inconstitucionalidade”, comenta o promotor.
Segundo ele, a Prefeitura não está sendo “enérgica o bastante” na defesa de sua posição. “A impressão que fica é de conivência”, analisa Machado.
Secretário de Governo reconhece crítica
Em entrevista ontem, o secretário municipal de Governo Donizeti Rosa admite a crítica do Ministério Público. “Até certo ponto ele (o promotor da Habitação) está certo”, disse. Segundo ele, o Executivo tem vetado projetos de lei que alteram o zoneamento por não concordar com mudanças pontuais, como as que vem ocorrendo. “Precisamos é da aprovação da nova lei do parcelamento do solo, para resolver essas polêmicas de uma vez por todas”, afirmou.
Para Rosa, ao não baixar um decreto de não-cumprimento, depois de ter vetado o projeto, a Prefeitura está exprimindo que concorda com o conteúdo da lei, mas não com a forma como se deu a mudança.
Sobre a questão de vício de origem, alegação da Prefeitura para vetar os projetos, o secretário de Governo diz que existem opiniões controversas. “Há também um entendimento favorável, no sentido de que um projeto desses não é inconstitucional por não gerar despesas”, diz, numa referência à legislação que mantém como de exclusiva competência do Executivo iniciativas que impliquem custos para sua implementação.
Um exemplo clássico de descaracterização de zonas residenciais por meio de alterações pontuais no zoneamento é a região do Boulevard, o trecho do Sumaré mais próximo da avenida Nove de Julho.
“As mudanças pontuais foram avançando sobre o bairro sem determinar o limite (até que altura/rua se autoriza usos não-residenciais)”, reconhece Rosa para explicar o porquê de a Prefeitura não ter baixado o decreto de não-cumprimento para a lei que autorizou o funcionamento de um cartório em rua residencial no Alto da Boa Vista, aparentemente o próximo bairro residencial a ser descaracterizado pela ação conjunta da Câmara e da Prefeitura Municipal.
Ou seja, já se usa o exemplo do Boulevard (originalmente, área compreendida pelas avenidas Nove de Julho, Independência e rua Conde Afonso Celso) para justificar alterações no zoneamento de mais um bairro residencial.